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A ROTA DA LÃ

 

 

O atual desenvolvimento das práticas e políticas associadas ao turismo cultural tem contribuído para a definição e divulgação de um conjunto variado de itinerários culturais, no âmbito dos quais a Rota da Lã tem vindo a ganhar forma e contornos. Em 1987, o Conselho da Europa lançou um programa sobre itinerários culturais que tinha objetivos de natureza turística, nomeadamente a melhoria da qualidade do ócio dos europeus, convidando-os a percorrer e a explorar os “caminhos reais ou imaginários em que, através da unidade e da diversidade, se forjara a identidade europeia”, como o defende Michel Thomas-Penette, Conselheiro do Programa de Itinerários Culturais do Conselho da Europa (Universitat de Barcelona,1996).

 

Esta é uma questão que tem dependido de um conjunto diversificado de objetivos relacionados com a dinamização do turismo, mas que, cada vez mais, procura restabelecer as continuidades perdidas ao longo do tempo em diversos espaços europeus, visando ainda a valorização dos produtos naturais e do trabalho artesanal. De várias das publicações levadas a efeito, a partir de 1987, sublinhe-se o Guia dos Itinerários Culturais das Regiões da Europa, onde a Região Centro de Portugal aparece caracterizada através, precisamente, de uma entrada intitulada “O Fio da Meada”. Nela valoriza-se a definição de uma Rota da Lã, que se justifica claramente que entronque, a nível do país, na cidade da Covilhã (Fernando Lozano Hernando, Guia dos Itinerários Culturais das Regiões da Europa, 1ª Ed., Barcelona,1992). 
 

A importância destas Rotas deriva ainda, como o sublinha Doudou Diène, Conselheiro da UNESCO, de elas serem concebidas como mecanismo de contacto entre povos e civilizações, concluindo que "a história e a cultura de cada povo são o resultado de um duplo processo dinâmico: processo de encontros, de contactos e de influências, mas igualmente processo através do qual estes contactos e influências se traduzem, graças a uma complicada alquimia, na construção de uma identidade específica”. (Espanã y Portugal en las Rutas de la Seda, Publicaciones de la Universitat de Barcelona, Barcelona, 1996). 
 

Contudo, numa era caracterizada pela intensificação dos sistemas e práticas de comunicação, as rotas são hoje, sobretudo, os itinerários culturais de “cidadãos do mundo” desenraizados da sua matriz natural e ambiental, em busca todavia, dos fios perdidos de uma identidade que urge preservar. Daí o interesse deste tema e o seu atual aprofundamento por parte das indústrias culturais e de turismo.

 

Todavia, na abordagem ao tema da Rota da Lã, para além destas razões que explicam a sua atualidade, devemos ainda ter presentes várias outras das suas vertentes. O estudo de uma qualquer rota deverá procurar clarificar os percursos económicos tanto da matéria-prima como do produto fabricado, evidenciando ainda, e sobretudo, a abordagem antropológica que gera todo o processo.

 

No que se refere à Rota da Lã, os seus itinerários aparecem-nos profusamente documentados no nosso país e, concretamente, na região da Beira Interior, desde o século XII até à atualidade. Há ainda que ter em conta as complementaridades espaciais e de natureza geográfica que, ao longo dos tempos, se estabeleceram entre os homens que, neste domínio, se especializaram. Trata-se, muitas vezes, de circuitos criados e desenvolvidos através de laços de natureza pessoal ou grupal, de âmbito social e religioso que transcendem as meras relações de natureza económica e que permitem compreender situações pouco comuns. É o caso da Covilhã que podendo considerar-se geograficamente isolada no contexto nacional beneficiou de intensos contactos internacionais que podem considerar-se privilegiados e que terão resultado, provavelmente desde o século XVI, do estreitamento de laços veiculados através das comunidades judaicas e cristãs-novas, não só na esfera penínsular como europeia e até mundial. 
 

Deste modo se poderão mais facilmente compreender as facilidades de circulação e a presença frequente de muitos empresários covilhanenses em importantes cidades industriais europeias, desde o século XVIII até à actualidade, não só para comprar maquinaria e colocar a produção como para frequentar escolas superiores de especialização têxtil.

 


 

TRAJECTÓRIA DA ROTA DA LÃ

 

 

A intervenção efetuada nos edifícios que constituíram esta manufactura, desenvolvida por fases e com objetivos diversos, revestiu-se de real significado, não só no domínio da recuperação arquitetónica e da conservação do património edificado, como a nível da própria preservação da memória dos lanifícios na Covilhã e da história da tinturaria portuguesa e europeia do Antigo Regime.

 

Os modelos de intervenção arquitetónica, de conservação arqueológica e de musealização nela experimentados podem avaliar-se já hoje como contributos para a própria afirmação da arqueologia industrial em Portugal. Efetivamente, foi no contexto da recuperação e musealização da Tinturaria da Real Fábrica de Panos que, tendo-se iniciado, se concluiu, provavelmente, um dos primeiros projetos de recuperação do património industrial português, com a inauguração, em 30 de Abril de 1992, do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Foi igualmente no âmbito desta experiência que se iniciaram, na Covilhã e na região circundante, com carácter sistemático, levantamentos no domínio do património industrial.

 

Deste modo foi possível salvaguardar alguma da memória dos itinerários da produção de panos de lã, tanto a nível regional e nacional como até internacional, conhecer a diversidade e a origem dos produtos tintureiros orgânicos mais utilizados nas tinturarias da Real Fábrica de Panos, assim como os processos de fabrico e de tingimento característicos de uma manufactura de estado do Antigo Regime.

 

Os fios com que se tecem os panos fabricam também a recuperação da memória de um passado com que se procura alicerçar o futuro. É mais uma das virtualidades desta fibra natural que é a lã.

 

 

 

 

8 SÉCULOS A TRABALHAR A LÃ

 

Um Percurso no Tempo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Séc. XII/XIII – Um trabalho doméstico

 

Nos primeiros tempos da monarquia já se fabricavam panos de lã em Portugal. As oficinas não eram fábrica mas a mera casa de habitação onde o tecido resultava de um trabalho doméstico. O 1º foral da Covilhã (1186) é um documento comprovativo.

 

 

Séc. XIV – Afirmação da Serra da Estrela

 

Portugal importava também os melhores tecidos os quais eram fabricados na Flandres. Os panos de Arras tinham prestígio internacional e, os teares domésticos nacionais já não teciam apenas panos lisos usando-se temas fornecidos pelos pintores.

 

A produção artesanal nacional encontrava-se baseada na Serra da Estrela e no Alentejo (Covilhã, Estremoz, Portalegre e Beja). O burel (pano tipo hábito de monge grosseiro) era o que mais se fabricava até aparecer o pano de lã meirinha.

 

 

Séc. XV – A produção diversifica-se

 

Nestas cidades portuguesas começam a ser fabricadas as baetas, picotes e outros tecidos até aí importados de Castela. Da Flandres importavam-se a sarja e o burel mas também os muito qualificados panos de Arras e as escarlatas (tecidos vermelhos).

 

 

Séc. XVI – Disseminação junto às rotas da transumância

 

O trabalho de lã encontra-se agora mais disseminado pelo território especialmente nas regiões de transumância e nas fronteiriças.

 

Os centros produtores alargavam-se na zona da Serra da Estrela (Covilhã, Gouveia, Seia, Oliveira do Hospital, Trancoso e Pinhel), no Alentejo (Beja, Portalegre, Arronches e Castelo de Vide) e em Santarém (os alambéis).

 

A produção de tecidos de lã satisfazia parte do consumo de Portugal, Açores e Madeira e os alambéis (tapetes coloridos) de Santarém parte do Norte de África.

 

 

Séc. XVII – As Primeiras Manufacturas

 

Por altura da Restauração Portuguesa (1640) a produção de tecidos de lã encontra-se distribuída nacionalmente e mantinha-se como trabalho caseiro e artesanal.

 

Algum tempo após, o 3º Conde da Ericeira encetar uma política de fomento e renovação do sistema produtivo. É agora a altura das primeiras grandes transformações em Portugal.

 

A partir de 1679 aparecem as grandes MANUFACTURAS de lã; Covilhã, Estremoz, Manteigas, Melo (Gouveia) e Lisboa são concretizadas, invocando-se que “A produção que daqui iria advir protegeria o país dos artigos importados”.

 

A evolução e o êxito das manufacturas foram tão grandes que durante dezenas de anos a sua produção supriu o consumo de Portugal e Brasil.

 

 

Séc. XVIII – Do Tratado de Methuen às Reais Fábricas

 

Os anos de setecentos começam com uma grave crise económica originada pelo famoso tratado de Methuen de 1703. A Inglaterra passava a introduzir livremente os seus lanifícios em Portugal. Depois sucede o mesmo com a Holanda. Acontece a ruína e a decadência de produção portuguesa.

 

A partir de 1710, por decisão de D. João V, a Covilhã +assa a fabricar nas suas manufacturas todos os fardamentos militares portugueses.

 

Quatro anos antes existiam 186 produtores (domésticos) desses panos na cidade. Aí existiam também a funcionar 72 teares e na sua limítrofe de Teixoso mais 46. Em Manteigas funcionavam 28 e em Belmonte 18.

 

Aparecem então as grandes unidades manufactureiras que envolvem grandes processos de modernização.

 

O grande restabelecimento da indústria de lanifícios deve-se à visão política e económica do Marquês de Pombal.

 

Num século de profunda evolução técnica e de sistema produtivo, Portugal vê criada em 1764 a Real Fábrica de Panos da Covilhã.

 

 

O Fomento Industrial de Pombal (1760-1777)

 

Neste período a política nacional assume a importância estratégica das manufacturas produtivas e com base nelas assentam as grandes medidas de industrialização. O plano parte de ações de espionagem industrial levadas a cabo na Europa com vista a conhecer melhor as inovações técnicas e a organização do trabalho têxtil (lanifícios, algodão e outros sectores).

 

O objetivo político era o de combater a dependência portuguesa das importações, articular a ligação de produção às colónias e modernizar uma produção atrasada.

 

O fomento industrial de Pombal baseia-se por isso na realidade pré-industrial (os centros das manufacturas) existentes no país: a fábrica de vidros da Marinha Grande (1769), a Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre (1772), a Fábrica de Chapéus de Pombal (1759), as de tabaco, refinação de açúcar e pólvora (1759), a reforma da Fábrica das Sedas (1757) e a Real Fábrica de Panos da Covilhã (1764).

Na Inglaterra tinha-se iniciado a Revolução Industrial.

 

 

Séc. XIX (1ª metade) – O Operário, a Indústria, o Proletariado

 

O trabalho de preparar, fiar e tecer as lãs é ainda manual em Portugal no início do Séc. XIX. Em 1808/ 10 inventam-se em Inglaterra os primeiros maquinismos para a indústria. Os conceitos evoluem para o significado atual: artista, artífice, operário, proletário e indústria.

 

As grandes unidades manufactureiras lusitanas prosperam até às invasões francesas altura em que o novo Tratado com os ingleses prejudica a indústria portuguesa. A Real Fábrica da Covilhã fecha durante anos até que, por acordo com o Estado, é transferida para privados em 1821.

 

Em 1837 verifica-se novo incremento da produção de lanifícios. Para além da Covilhã, Gouveia, Manteigas e Trinta (todas na Serra da Estrela), Lisboa, Porto, Amarante e Alenquer assistiram à criação de novas grandes unidades.

 

Em 1860, Belmonte, Teixoso e Tortosendo (marginando a Covilhã) já possuem 600 fogos cada. Metade da população destes centros vive dos lanifícios da Covilhã. Aqui, 35 unidades industriais empregam 1.850 homens, 680 menores, 760 mulheres e 540 raparigas. Nesse ano a grande massa de operários atinge quase 4.000 trabalhadores.

 

Cerca de 1850, Portugal já dispunha da máquina a vapor e os grandes centros industriais eram Lisboa, Porto, Covilhã e Portalegre.

 

No Alentejo e nos lanifícios trabalhavam ainda o Redondo (750 trabalhadores), Reguendos (430), Évora (98) e Estremoz.

 

 

Séc. XIX 2ª metade – A expansão industrial

 

Em 1881 o maior número de unidades industriais de lanifícios estava na Covilhã, no distrito da Guarda e em Castanheira de Pêra. O Porto e Lisboa tinham 3 fábricas cada e Alenquer uma.

 

Das 160 unidades portuguesas, a Covilhã detinha agora 128. A antiga vila da Covilhã, cidade desde 1870, tinha uma população de 12.000 habitantes e mais de metade (6.502) trabalhava nos lanifícios (homens, mulheres e crianças). Havia 859 teares instalados dos quais 57 eram mecânicos.

 

Gouveia possuía 20, Seia possuía 15, Manteigas e Guarda possuíam 5 e 1, respetivamente.

 

De 1881 para o fim do século (1896) a indústria de lanifícios passou de 160 unidades (151 fábricas e 9 oficinas) para 234.

 

O número de trabalhadores manteve-se quase nos 9.000 dos quais 6.500 na Covilhã. A indústria têxtil era em 1896 a maior empregadora (11.732 trabalhadores), seguida dos lanifícios (8.895), dos tabacos (4.776), conservas (4.653) e cortiça (4.380).

 

 

Séc. XX – Um apogeu Produtivo

 

Em 1916 a indústria têxtil era a mais importante (50.000 operários). A dos lanifícios mantinha-se em segundo lugar (10.861 operários), 210 unidades (103 no Distrito de Castelo Branco, 56 na Guarda, 18 em Leiria e 18 em Lisboa). Das 103 unidades de Castelo Branco, 88 encontravam-se na cidade da Covilhã.

 

Em 1934 o número de fábricas nacionais já era de 414, trabalhando em lanifícios 14.000 pessoas cabendo à Covilhã 5.600.

 

Após a II Grande Guerra a indústria de lanifícios atinge um novo apogeu produtivo. Era já um terceiro depois dos verificados no final do séc. XIX e após a I Grande Guerra. A partir de 1970 verificam-se encerramentos e a reestruturação tecnológica provoca uma crise social profunda.

 

 

Séc. XXI – Prossegue a Revolução Tecnológica

 

Nestes primeiros anos do séc. XXI a indústria laneira já é reflexo de outra revolução tecnológica. O trabalho foi deixando de ser baseado em mão-de-obra intensiva e é cada vez mais suportado em tecnologia intensiva. Esta alteração que permitiu produzir mais do que nunca, vai também sendo sustentada num menor número de unidades de lanifícios (e de trabalhadores) mas com enorme capacidade de produção. Atualmente saem das fábricas de lanifícios da Serra da Estrela dezenas de milhões de metros de tecido por ano. O escoamento do produto é agora feito mais pela exportação e menos para o mercado interno. Em termos tecnológicos, os teares a jacto de ar comprimido necessitam pouca mão-de-obra e fabricam com muita qualidade. Grandes marcas mundiais de vestuário usam tecidos “made in” Serra da Estrela.

 

AS TERRAS DA ROTA DA LÃ

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Uma das mais importantes Rotas Culturais Europeias tem na Serra da Estrela um autêntico mostruário.

As atividades da lã existem aqui desde os primórdios da nacionalidade.

Durante séculos, objeto de trabalho Doméstico/Artesanal, os artifícios da lã evoluíram no séc. XVII para o das grandes MANUFACTURAS e no séc. XIX para o das possantes FÁBRICAS INDUSTRIAIS.

Hoje, em pleno séc. XXI, aqui se encontram algumas das mais modernas empresas mundiais em tecnologia têxtil e mesmo algumas das mais poderosas indústrias de lanifícios da Europa. A cidade da Covilhã, centro desta Rota da Lã, sedia uma Universidade cuja existência se deve a essa história industrial.

É pois um percurso sobre a identidade social e económica de um povo e de uma Região que vamos visitar.

Covilhã, Manteigas, Seia, Gouveia, Pinhel, Guarda, fazem com que a Serra da Estrela caminhe para os mil anos a trabalhar a lã, fiando e tecendo num património arqueológico-industrial único em termos internacionais. Simbolicamente, os lanifícios são a decana das indústrias portuguesas.

 
COVILHÃ – Cidade Construída em Lã

“Se os filhos de Adão pecaram

Os da Covilhã sempre cardaram”.

Adágio popular, séc. XVIII.

O centro nacional da produção de tecidos de lã foi e é a cidade da Covilhã.

Desde o séc. XII (o primeiro foral da cidade data de 1186) a produção de tecidos baseava-se num sistema doméstico e artesanal. A matéria-prima provinha, no início, dos rebanhos de ovelhas que a Serra da Estrela alimentava. Este sistema prolongou-se até aos sécs. XVIII/XIX.

A partir do séc. XVII, começam a aparecer na cidade as primeiras manufacturas que depois, com o advento da Revolução Industrial europeia, foram vincando uma grande e característica concentração de edifícios fabris.

Duas ribeiras descem da Serra da Estrela e percorrem a cidade entre os 800 m e os 500 m de altitude. São a Degoldra e a Carpinteira. Aqui se encontram os marcos principais da história da mais clássica indústria portuguesa.

A 1ª MANUFACTURA

No início do séc. XVIII, a política de fomento “industrial” encetada 30 anos antes pelo 3º Conde da Ericeira exigia vultuosos investimentos. A gigantesca Manufactura da Covilhã (1679) era disso o maior exemplo. Numa cidade de grande história de presença de comunidades judaicas e depois cristãos-novos, eram estes que disponibilizavam o dinheiro necessário. Este facto provoca a contestação da Inquisição que recorre mesmo à prisão de muitos investidores e negociantes. Entre 1700 e 1705 são presos 18 com a acusação de judaísmo.

A REAL FÁBRICA DE PANOS

Covilhã inicia grandes processos de modernização com o Marquês de Pombal. É fundada em 1764 a Real Fábrica de Panos e, anos depois, é criada a Real Fábrica Veiga. A fábrica fundada por Simão Pereira da Silva (1795-1805) e depois a ação de António Pessoa de Amorim e António Almeida Navarro (todos nomes de cristãos-novos) são exemplo disso. Em 1820, passam a gerir as Reais Fábricas (já associadas) por via de uma fusão à de Simão Pereira da Silva.

Cerca de 1850, a Covilhã era um dos maiores centros industriais de Portugal. Fabricavam-se anualmente mais de 80.000 arrobas de lã, 29 fábricas tinham mais de 10 operários que no total da cidade já somavam os 1.340.

Quatro grandes unidades empregavam 40 % destes trabalhadores.

 

 

A FAMOSA MANCHESTER PORTUGUESA

A máquina a vapor chegou tarde aqui porque esta cidade soube desenvolver, como nenhuma outra na Europa, a técnica do aproveitamento da energia hidráulica, técnica que contrariou a regra da Revolução Industrial de que não haveria industrialização sem energia a vapor. Durante mais de 50 anos a indústria covilhanense apoiou-se apenas na energia hidráulica.

Em 1863, o número de fábricas tinha subido para 35 que já empregavam 3800 trabalhadores. Apenas uma destas fábricas (a Marques Paiva) utilizava energia a vapor (era a primeira e única).

Em 1875, a indústria de lanifícios era a mais importante do país em termos de tecnologia utilizada e em termos de faturação industrial. Em 1881, a Covilhã apenas era superada pelas já variadas indústrias de Lisboa e Porto. As indústrias que mais faturavam eram as de tecelagem e algodão e linho seguidas das de lanifícios e alimentárias.

A Escola Industrial da Covilhã é inaugurada em 1887.

 

IMPACTO TECNOLÓGICO

Por toda a primeira metade do séc. XX verifica-se um acréscimo produtivo que tem expoente nos anos seguintes à II Guerra Mundial. No final do século acontecem grandes evoluções que transformam social e economicamente a cidade. Nos anos presentes, existem muito menos unidades industriais e muito menos trabalhadores. A produção de lanifícios é, no entanto, muito mais do que alguma vez aconteceu. Tudo consequência de uma revolução tecnológica a todos os níveis acontecida.

Hoje, contudo, cerca de trinta milhões de metros de tecido/ano são produzidos na Covilhã.

100 anos antes da Real Fábrica – a primeira “fábrica” portuguesa
A GRANDE MANUFACTURA DA COVILHÃ (1679)

Em 1678 o 3º Conde da Ericeira, Luís de Meneses, escrevia em carta:

“Das manufacturas posso segurar que parece que Deus quer que se estabeleçam neste Reino … A perfeição das baetas e sarjas da Covilhã tem chegado ao último ponto, estando jão tão independentes dos Ingleses os nossos Mestres Portugueses que tudo o que se obra é pelas suas mãos”.

A enorme manufactura da Covilhã foi criada em 1679 como apoio do irlandês Coureen que com ele trouxe 13 obreiros ingleses de panos e baetas. Não era ainda uma indústria (pois não era uma maquinofatura) já que todo o trabalho era manual. O Conde da Ericeira afirmava em 1679 que “a Covilhã continha para esse negócio melhor capacidade que qualquer outra do Reino pela muita frequência e conhecimento que havia e sempre houvera vila do trato de lãs”.

Esses obreiros ingleses tentavam dissimular as técnica de produção aos trabalhadores portuguesas. Por isso, foram discretamente chamados os artífices de meias de Pinhel (que desenvolviam um processo parecido ao das novas técnicas) e estes esclareceram os mistérios do novo sistema de tecelagem.

Logo em 1679 acontece aquela que talvez seja a primeira grande revolta popular portuguesa contra uma nova forma de organização do trabalho; dezenas de artífices que continuavam a laborar artesanal e domesticamente nas suas pequenas oficinas organizam protestos violentos contra a manufactura. Entendiam que esta vinha pôr em causa o antigo método de produção caseira. Para além de ameaças aos proprietários da manufactura são elaborados panfletos que os acusam como sendo judeus secretos ou cristãos-novos falsos.

É verdade que a montagem da manufactura colocava problemas grandes de financiamento. O do Estado não era suficiente e sendo a Covilhã terra de uma outrora poderosa comunidade judaica, mantinha nos agora cristãos-novos o seu maior poder financeiro. A Inquisição manteve-se sempre atenta e a ela não agradava este tipo de apoio à manufactura. Entre 1700 e 1705 chegou a mandar prender 18 negociantes da cidade com base na acusação de judaísmo.

Para se ter uma ideia da MANUFACTURA da Covilhã, esta possui em 1680, um ano após a abertura, 415 trabalhadores e 17 teares. O seu superintendente descrevia nesse ano: “esta é a fábrica que levantou dentro de Portugal o amor da Pátria”.

 

 
GOUVEIA – A História Tecida

Pela abundância de água … chegou a ser criada cerca de 1680 uma manufactura de lanifícios em Melo. No entanto, não terá durado muitos anos.

No final do séc. XVII, Gouveia produzia saias, poupais e gingidouros principalmente através do sistema doméstico.

A tradição laneira deste concelho era ainda mais antiga alargando-se as atividades a Meio, Freixo, Figueiró, Arcozelo e Aldeias. Paços da Serra já em 1774 era um importante centro onde “todas as lãs que os almocreves castelhanos e da província de Trás-os-Montes ali conduziam”. Cerca de 1873, já existiam no concelho 23 fábricas (192 teares) e em finais do séc. XIX (1899), a então vila de Gouveia era o sexto centro urbano português de maior faturação industrial. 114 unidades ligadas aos lanifícios e mais de mil trabalhadores concentravam-se principalmente na sede do concelho e em Moimenta da Serra. Em cinco décadas, o número de fábricas tinha aumentado 10 vezes.

 

 
PENAMACOR – A Transumância

A vila de Penamacor fica situada junto a um dos principais eixos das Rotas da Transumância peninsulares (o de Malpartida de Cáceres). Em Penamacor, a Câmara Municipal está a recuperar uma antiga raça de ovelhas, a Churra do Campo, que chegou a ser dada como extinta. Esta ovelha produzia uma lã característica que era enviada para fiações na Covilhã e que depois resultava em mantas grosseiras e outros tecidos mais pobres. O complexo agora em conceção recuperará espaços de maneio deste gado e irá ser dotado de um Centro de Interpretação de todo o processo da Lã Churra.

 

SEIA – A Serra como recurso

O concelho de Seia integra-se na Rota da Lã da Serra da Estrela através de uma atividade de lanifícios mais recente.

É basicamente uma indústria que ajudou a engrandecer o município durante todo o séc. XX.

Alvoco da Serra e Loriga são os mais característicos centros, muitos ativos em inícios desse Século. A implementação da primeira central elétrica de Portugal em S. Romão ceio dar novos argumentos à expansão acontecida até à década de 1980. Em Vodra, chegaram a trabalhar cerca de 1.700 trabalhadores em 1975. Hoje. A Beiralã é um marco de continuidade e qualidade.

 

PINHEL – As Meias de Lã

Esta antiga cidade da Beira Alta possuía secularmente uma técnica desenvolvida no fabrico de meias de lã. Os seus artífices descobriram facilmente as técnicas empregues pelos ingleses na construção das grandes unidades manufactureiras da Covilhã.

 

 

GUARDA – Os famosos cobertores de papa

O concelho da Guarda está ligado à história dos lanifícios principalmente pelo peso da atividade nas freguesias de Trinta, Maçainhas e Meios. São característicos e de alta qualidade os cobertores e mantas de lã ainda hoje aí fabricados e que lá podem ser adquiridos.

Os famosos cobertores de papa usam como matéria-prima a lã churra de ovelha. Na freguesia de Trinta aparecem unidades em 1837.

Nos anos quarenta do séc. XX quase todas as famílias tinham um tear, número que atualmente é bem mais reduzido. Modernas unidades industriais continuam a colocar no mercado este tipo de produtos laneiros.

A cidade da Guarda encontra-se agora ativa na produção de lanifícios através de uma moderna unidade industrial (Manuel Tavares).

 

 

MANTEIGAS – No coração da Estrela

A vila situada no coração da Serra da Estrela é um dos mais antigos locais de fabrico e tratamento de lanifícios do país.

Em 1524, o Rei D. João III reconhecia a vila como centro vertical que trabalhava a lã desde a sua produção até ao acabamento dos tecidos. Existiam já nessa altura 3 pisões (onde se pisavam os panos) em Manteigas.

Foram estas referências que conduziam em 1679 à criação na vila de uma grande Manufactura, a segunda da Serra da Estrela. O Conde da Ericeira invocara no ano anterior que “o trato dos moradores de Manteigas todo é de panos e todo é de lãs… Corre o rio Zêzere pela mesma vila com grandíssima abundância de águas”.

A manufactura foi criada no local da Matufa, junto à confluência de um pequeno ribeiro com o rio Zêzere. Esta unidade seria organizada para a produção de sarjas e baetas.

Tal como aconteceu na Manufactura da Covilhã verificou-se a contestação dos antigos artífices, que trabalhavam a lã domesticamente, contra a nova grande unidade. Por várias razões a manufactura de Manteigas encerrou alguns anos depois devolvendo a produção a pequenas unidades.

Outro motivo de interesse atual de Manteigas é a produção artesanal de lã como mantas de viagem e algumas peças de vestuário. Uma grande unidade industrial (Sotave) fabrica também muitos produtos em lã.

 

Museu de Lanifícios

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“O melhor museu do país” – Associação Portuguesa de Museus

Numa cidade que representa um hino ao trabalho, alguns dos principais monumentos são os alusivos à história da indústria portuguesa. O Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior é composto por três núcleos. O primeiro corresponde à ocupação de parte da Real Fábrica de Panos do Marquês de Pombal e integra as famosas fornalhas do século XVIII. A Real Fábrica Veiga, posterior, é outro dos núcleos fundamentais do Museu sendo que o terceiro corresponde às Râmulas de Sol existentes em vários locais da Covilhã a céu aberto.

 

Real Fábrica de Panos

 

 

 

 

 

 

A Real Fábrica de Panos fundada na Covilhã e, 1764 pelo Marquês de Pombal integra hoje a Universidade da Beira Interior. O edifício encontra-se junto à Ribeira da Degoldra.

Esta unidade funcionou como edifício fabril até 1885.

Hoje, aí se localiza um pólo do Museu de Lanifícios, considerado pela UNESCO como o melhor museu Têxtil da Europa.

Descobertos em 1975, os poços e fornalhas são hoje a melhor referência europeia do que no séc. XVIII era uma Tinturaria Têxtil. Toda a descrição do trabalho pode ser encontrada no Museu de Lanifícios que integra este espaço.

 

 

Real Fábrica Veiga

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Imponente edifício existente desde o final do séc. XVIII, integra o Museu de Lanifícios. Em 1899 possuía 850 operários.

 

Râmolas de Sol

Nestes espaços secavam-se e esticavam-se os tecidos. Na foto, a râmula visitável do Sineirinho, Covilhã.

 

 

Estendedouros de Lã

 

 

 

 

 

 

 

 

Eram espaços de granito lageado, inclinados e destinavam-se a secar as lãs em bruto. Mesmo em plena zona histórica da Calçada de Santa Cruz, Covilhã, se tornaram características.

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