Personalidades da Covilhã
Padre António de Sousa (1589 / 1633)
Jesuíta covilhanense.
Em 1617 partiu para o Oriente para a difícil evangelização do Japão, onde, durante vinte e cinco anos vivera oculto, tendo por abrigo uma pequena barca, donde partia para visitar os convertidos e conquistar almas para Cristo.
Acabou por ser preso em Nagasaky, onde foi morto após o tormento das covas.
Frei Diegalves da Cunha
Natural da Covilhã, distinguiu-se na tomada de Arzila, em 1415.
Foi sepultado na Igreja de São Francisco, hoje de Nossa Senhora da Conceição, onde existe uma lápide com o seu nome, que nos parece dizer antes Frei Dielgalves da Covilhã.
Nessa igreja, encontram-se os túmulos de Jorge Cabral, que foi governador da Índia Portuguesa, bem como os irmãos D. Fernando e Diogo de Castro. O primeiro combateu em Arzila, o segundo chegou a ser Alcaide-Mor da Covilhã.
Eduardo Malta
No mundo da arte, destacou-se no século passado, um artista covilhanense: Eduardo Malta.
Pintor e retratista insigne, a sua fama ultrapassou fronteiras. Conquistou em 1936 o Prémio Columbano, e no ano seguinte, a medalha de ouro da Exposição Internacional de Paris. Seu pai, Manuel Morais, destinara-o à medicina, mas cedo, aos dez anos, seguindo uma vocação irresistível, já o jovem artista frequentava a Escola de Belas Artes do Porto. Ainda aparentado com o escultor Manuel Morais, e ainda com o escritor Raul Brandão nasceu na Covilhã, no Largo de São João, no dia 28 de Outubro de 1900. Fez a instrução primária na sua terra, e, embora a família se tivesse fixado no Porto, foi em 1921 que ele aqui desenhou os cenários para a revista "o País da Guedelha".
Na sua extensa galeria de retratos, figuram homens célebres na arte e na política, como Teixeira de Pascoais, Aquilino Ribeiro e Augusto de Castro. Os retratos de Salazar e do Cardeal Cerejeira, da sua autoria, pertencem ao Instituto Nacional de Estatística. O Presidente do Brasil Getúlio Vargas e o político espanhol José António Primo de Rivera, posaram para ele.
Espírito ávido de cultura, escreveu também livros, como "Do Meu Ofício de Pintar" e "Retratos e Retractados". Faleceu no ano de 1967, e sua viúva, Sr.ª D. Dulce Malta, ofereceu um quadro ao Museu da Cidade que tem o nome do grande artista.
Fernão Penteado
Natural da Covilhã, distinguiu-se na defesa de Diu, onde se escreveu uma das páginas mais gloriosas da história de Portugal.
Com efeito, no primeiro cerco de Diu, a epopeia portuguesa tem aí um dos seus mais formidáveis rasgos de heroísmo. Foi tal a façanha, que Francisco I da França, assombrado, mandou colocar o retracto de António da Silveira, capitão-mor de Diu, na Casa da Fama, no Palácio de Fontainebleu.
No primeiro cerco de Diu, que começou em 6 de Junho de 1538, distingue-se, entre todos os heróis, um covilhanense a que se refere Lopo de Sousa Coutinho, na sua "História do Cerco de Diu".
Umas poucas centenas de portugueses lutavam contra 19.000 inimigos, comandados por Coge Sofar. O ataque foi brutal e feroz. Lutou-se de dia e noite, em terra e no mar. Os muros da fortaleza ruíram com as bombardas do inimigo, mas os portugueses estavam dispostos a dar cara a vida.
Fernão Penteado, um dos feridos que recolhera à enfermaria da fortaleza, voltava ao combate e era de novo atingido. Três vezes repetiu a façanha, até que novas feridas o impediram de prosseguir na luta. Dos 612 homens de armas que defenderam Diu, restaram apenas 40 em estado de combater. Os assaltantes acabaram por desistir do cerco, face ao arrojo indómito dos portugueses.
Fernão Penteado curou-se dos ferimentos mas veio a morrer de naufrágio, durante um temporal.
"... entre estes vinha ferido em a cabeça,
de uma grande ferida, um Fernão Penteado,
homem mancebo e esforçado, natural da Covilhã...
Não esperando ser curado, disse ao cirurgião que
curasse outro, e correndo como poude, se foi ao
combate ... e houve prestes outra ferida, isso mesmo
na cabeça, assaz má ... E deixando o que cumpria à
sua saúde e vida, veio de novo juntar-se de um pique,
dando sinal mui claro a todos de seu alento e valentia."
Lopo de Sousa Coutinho "História do Cerco de Diu"
O Beato Francisco Álvares
A Companhia de Jesus, instalada em Portugal em 1540, foi, pelos seus professores e colonizadores, e seus mártires, no Ultramar, especialmente na Índia e no Brasil, a ordem religiosa mais evangelizadora e universalista.
Segundo o "Catalogus" de António Franco S. J., foram 94 os seus mártires, contando-se entre eles o covilhanense Beato Francisco Álvares.
Beatificado em 1854 por Pio IX, como mártir da fé, foi na sua terra natal cardador de profissão. Tendo entrado para a Companhia de Jesus em 1564, seis anos depois acompanhava o Padre Inácio de Azevedo na sua viagem para o Brasil, para a obra de evangelização naquela imensa colónia ainda por desbravar. Mas logo à saída da ilha de Palma, nas Canárias, foi a nau Santiago, em que seguiam, assaltada por piratas, comandados por Jacques Sória, sendo todos assassinados, à excepção do frade cozinheiro, que feito prisioneiro e só mais tarde liberto, havia de contar os pormenores do martírio de seus irmãos religiosos.
O Padre Francisco Álvares foi apunhalado e lançado, ainda vivo, às ondas. Tal como o padre Inácio de Azevedo aceitou com heroísmo a palma do martírio. E, se na Igreja é venerado como beato, na Covilhã há muito é adorado como santo. Está actualmente em curso o processo de canonização dos chamados mártires do Brasil.
Na Covilhã, todos os anos se fazia festa na extinta Capela de Santa Marinha onde existia a sua imagem. A casa onde se diz ter nascido, situava-se, segundo Moura Quintela, no "lado superior do Beco do Ribeiro". Hoje é voz corrente que se trata de uma casinha, ao rés da rua Santa Marinha, antigamente chamada Travessa do Rosário, porta n.º 51.
A sua imagem, venerada antigamente na referida Capela de Santa Marinha, encontra-se hoje na Igreja da Nossa Senhora da Conceição.
Padre Francisco Cabral (? /1609)
Jesuíta também covilhanense, foi notável pregador e missionário no Japão.
Converteu o rei de Bungo, a quem São Francisco Xavier também catequizara. Converteu Mandarins, e ao seu ânimo e zelo religioso se atribui a vitória naval, que Mem Lopes Carrasco alcançou em Achen. Chegou a ser provincial e Visitador de toda a Índia Portuguesa, e morreu em Goa, no ano de 1609, com 81 anos.
Padre Gaspar País (1593 / 1655)
Nascido na Covilhã em 1593, recebeu a roupeta de jesuíta em Goa no ano de 1607.
Partiu para a Abissínia nos fins de 1623, para evangelizar e combater as ideias cismáticas de Alexandria, mas tendo morrido o Négus de então, recebeu ordem de expulsão do seu sucessor, juntamente com todos os padres da sua ordem.
Não obstante, o padre Gaspar País não se conformando com a expulsão, continuou ali a sua obra de evangelização "oculto nas cavernas e espessuras dos bosques", até ao dia em que foi inesperadamente atacado por cismáticos, e assassinado com lançadas. Era o dia 25 de Abril de 1655.
Heitor Pinto (1528? / 1584)
Heitor Pinto é justamente considerado um dos melhores clássicos da literatura portuguesa.
Nasceu na Covilhã, talvez no ano de 1528. No capítulo XVIII do "Diálogo dos Verdadeiros e Falsos Bens", da sua obra "Imagem da Vida Cristã", o discípulo diz ao mestre, o próprio Heitor Pinto: "E eu já vos ouvi dizer que, andando por terras estranhas, suspiráveis por Portugal, e algumas vezes vos ouvi particularmente louvar a própria terra onde nascestes...chamada antigamente Cova Júlia, hoje Covilhã".
Nos "Autos e Provas de Cursos" da Universidade de Coimbra, Heitor Pinto assina-se Frei Heitor da Covilhã, nome com que professou no Mosteiro de Santa Maria de Belém, aos 8 de Abril de 1543. Cunhais de Figueiredo diz-nos que ele se assinou posteriormente Heitor Pinto, indo buscar tal apelido aos antepassados.
Contrariando os que dão o Heitor Lusitano - como também lhe chamaram - natural da Vila de Melo, o historiógrafo covilhanense Dr. Luís Fernando Carvalho Dias averiguou que o documento da sua profissão de fé o dá como originário da diocese da Guarda, enquanto a Vila de Melo pertence à diocese de Coimbra.
Frei Heitor Pinto fez os seus estudos eclesiásticos no Convento da Costa em Coimbra, onde foi colega de D. António Prior do Crato, filho do Infante D. Luís, que teve o senhorio da Covilhã. Por carta de El-Rei, foi-lhe dado o grau de Mestre em 1554, tendo depois passado à Universidade de Siguença, onde tomou a borla doutoral em teologia. Em 1559, assistiu à coroação do Papa Pio IV, em Roma, onde se encontrava em negócios da sua Ordem. Foi Reitor do Colégio da Ordem em 1565, e mais tarde, em 1571, seria eleito Providencial em Portugal. Na mesma data publicou a sua obra "in Isaiam Prophetarum Commentaria".
Sendo já doutor pela Universidade de Siguença, doutorou-se em teologia, em 9 de Maio de 1576, pela Universidade de Coimbra. O próprio Rei D. Sebastião, querendo "ilustrar a Academia com a doutrina de tão insigne varão", mandou que se criasse a cadeira de Sagrada Escritura, para a qual foi nomeado lente o doutíssimo frade covilhanense. Por esse tempo (1575/1579) escreveu comentários sobre os profetas Daniel e Jeremias.
O último Conselho a que assistiu, na Universidade de Coimbra, foi em 19 de Agosto de 1579, reunido para deliberar sobre a recepção a D. António Prior do Crato. Aproximavam-se dias negros para a Pátria. Sabe-se que defendeu a causa do seu desaventurado amigo, como pertencente à Coroa, e como por isso foi perseguido por Filipe II. Com mero pretexto de o fazer seu conselheiro, obrigou o monarca espanhol a seguir para Espanha em 1583. Consta que o grande português então se lamentou: "El-Rei Filipe me quer meter em Castela, mas Castela em mim é impossível". Em um dos seus "Diálogos", suspira por Portugal, preferindo na sua Pátria ter uma pobreza contente, que lá fora "quaisquer delícias ou riquezas". Já se deixa ver quanta mágoa lhe causaria a perda de independência nacional, e com que ardente vontade defenderia a causa nacional.
O que lhe sucedeu até à sua morte, ocorrida no ano de 1584, não está definitivamente apurado. Diz-se que foi recluso, com outros religiosos, no Mosteiro de Sisla, fora dos muros de Toledo, onde terá morrido. O Dr. Carvalho Dias tentou em vão localizar este Mosteiro de que não resta memória. D. António Prior do Crato escreveu uma carta ao Papa Gregório XII, onde insinuava que Filipe II mandara envenenar Heitor Pinto. Na pedra tumular, no referido claustro, consta que alguém terá colocado o seguinte epitáfio, não se sabe se por piedade, se por ironia: "Aqui jaze Heitor, aquele lusitano".
Na História da Literatura Portuguesa, Heitor Pinto é um clássico, que iguala, em pureza de linguagem e profundidade de conceitos, Vieira e Manuel Bernardes. Frei Francisco dos Santos, na sua "História da Ordem de São Jerónimo", chama-lhe "esplendor da Universidade de Coimbra e de todo o Reino Lusitano". Em toda a sua obra, revela uma espantosa erudição, sobretudo na teologia e nos Livros Sagrados em cuja leitura consumira a "mor parte da sua idade". Em toda a sua prosa abundam as citações dos mais variados autores, desde Fídias a Homero, de Heródoto a Santo Agostinho. E desmerece por isso, já que, sem citações, o seu estilo torna-se mais límpido e sereno, tal rio correndo com cintilações de céu.
Na sua obra fundamental "Imagem da Vida Cristã", escrita à maneira dos "Diálogos" de Platão, o "Mestre" dialoga com os discípulos, procurando transmitir-lhes, com toda a sua cultura religiosa e clássica, a imagem da vida cristã, quer dizer, o ideal dessa vida.
No "Diálogo da Justiça", diz o matemático para o teólogo: "Vós haveis de tomar entre as mãos a matéria, trazendo para isso não somente partes da teologia, mas também sentenças de filósofos e histórias antigas, que sei fostes dado a lê-las, e ainda agora depois que vos achais cansados do grave estudo da teologia, folgais de tomar na mão um livro de humanidades".
A vida de Heitor Pinto decorreu calma e austera, excepto no concurso, em 1558, à cadeira de Sagrada Escritura na Universidade de Salamanca, e nos trágicos anos do seu forçado exílio. No "Diálogo da Religião", refere que teve muitos trabalhos em Roma, em negócios da Ordem, recordando então os tempos em que vivia "muito contente, num repouso solitário dado ao estudo das divinas letras, estando em Portugal o mais tempo metido na cela...". na própria definição de bom religioso, ele foi "profundo na humildade, alto na contemplação, lembrado de Deus, esquecido do mundo, frio no amor da terra, abalizado no amor de Deus".
Além do acentuado uso de citações, há outra característica na obra de Heitor da Covilhã, que é a abundância de comparações. Quase sempre felizes, posto que uma ou outra arrojada, tal esta: "Assim como o piloto depois de cansado de longa navegação, achando lugar oportuno lança âncora para descansar, assim eu, cansado de longa prática, quero lançar âncora à língua e amainar as velas às minhas palavras".
Como monge em sua cela, Heitor Pinto recomenda-nos o propósito de "deixarmos as falsas opiniões do mundo, e suas vaidades, e suas maldades, e contemplarmos a Divina Bondade". Como beirão que era, faz timbre na amizade, e dedica um formosíssimo "Diálogo" a esse nobre sentimento. Daí esta comparação: "Assim como as ervas do Outono nascem frescas com as primeiras águas, mas queimam-se logo com os frios de Novembro, assim as amizades inconstantes começam com as primeiras palavras do primeiro encontro e acabam-se à primeira experiência que dela se faz".
A primeira edição da "Imagem da Vida Cristã" saiu em 1563, organizada por Gaspar Barreiros, só com a primeira parte, incluídos os Diálogos da Filosofia, da Religião, da Justiça, da Tribulação, da Vida Solitária e da Lembrança da Morte. A segunda parte da obra, com os restantes diálogos, apareceu em 1572. São publicadas em 1681 as duas partes num só volume, em edição de Miguel Manescal. Houve posteriormente várias edições, sendo a última da Livraria Sá da Costa, excelentemente coordenada pelo Padre Alves Correia.
O Infante D. Luís - Senhor da Covilhã
Depois da conquista de Ceuta, o Infante D. Henrique, entre outros galardões, recebeu de seu pai D. João I o senhorio da Covilhã.
Não tendo o Infante de Sagres sucessor, seu tio D. Afonso V doou por carta régia de 30 de Junho de 1471, o Senhorio da Covilhã ao Infante D. Diogo, duque de Viseu. Por morte deste, D. João II concede em 1489 este mesmo Senhorio a seu cunhado D. Manuel, que seria o Rei Venturoso. E este rei, por Provisão de 21 de Fevereiro de 1498, declara a Covilhã "tão principal no conto das outras vilas do reino "por sua real fé de nunca em nenhum tempo a dar a nenhum outro grande, nem fidalgo, por muita obrigação que para isso tivesse", e rogando a seus filhos e a todos os seus sucessores que tal determinação fosse respeitada. Mas D. João III logo concedeu o Senhorio da Covilhã, em 15 de Agosto de 1527, ao Infante D. Luís, quarto filho de D. Manuel I e de sua segunda mulher a rainha D. Maria. Nasceu este príncipe em Abrantes. Teve como seu professor Pedro Nunes, revelando-se aluno distinto em matemática. Foi Duque de Beja, Condestável do Reino e Grão Prior do Crato. Além da Covilhã, teve o senhorio de Moura, Seia, Serpa e Marvão. Tomou parte na expedição de Carlos V. Antunes.
Diz-se que resistiu na Covilhã, durante algum tempo, no Palácio Real, que existia, talvez desde o tempo de D. Sancho I, encostado à muralha, junto à porta da vila. Te-lo-á então embelezado com duas janelas de lavores manuelinos. Desse Palácio, que depois se tornou conhecido por Casa da Hera, pelo facto de a hera revestir as suas vetustas paredes, ainda restavam vestígios antes da modernização do centro da cidade. Já vimos que o Infante D. Luís teve de uma formosa judia covilhanense chamada Violante Gomes, a "Pelicana", um filho, o malogrado D. António Prior do Crato. Por curiosidade, refira-se que o covilhanense Frei Heitor Pinto e D. António foram condiscípulos na Universidade de Coimbra, e irmanados na mesma causa contra a usurpação filipina. Tiveram por isso igual destino, isto é, o exílio e a morte longe da Pátria.
A Capela de Santa Cruz, Calvário, terá sido mandada construir pelo Infante D. Luís, embora uma tradição muito antiga nos diga que foi o Infante D. Henrique o seu construtor, quando senhor da Covilhã. O certo é que foi o Infante D. Luís que a dotou com uma preciosa Relíquia do Santo Lenho, guardada numa custódia de prata. Esta custódia encontra-se hoje na Igreja de Santa Maria Maior. Num memorial de párocos, datado de 1758, descreve-se esta relíquia do seguinte teor: "está esta relíquia em forma de uma cruz, em uma preciosa custódia de prata sobredourada, onde ultimamente foi posta e autenticada pelo bispo actual D. Bernardo António de Melo Osório, no ano de 1754. Tem esta relíquia meio palmo de comprido, e de largo dois dedos, e quase meio dedo de grossura".
D. Manuel I, por carta de 18 de Abril de 1497, atende a um requerimento dos moradores da Covilhã, que se queixavam de que os requeridores e portageiros da Guarda, Valhelhas, Belmonte, Sabugal, Sortelha e Penamacor lhes requeriam indevidamente o pagamento da portagem. Por essa mesma carta, o Rei Venturoso confirma esses privilégios e outros foros, que El Rei D. Afonso V já reafirmara à Covilhã por carta de 29 de Maio de 1458.
O chamado Foral Novo, concedido por D. Manuel à Covilhã, consiste na confirmação e reformulação do antigo foral de D. Sancho I. Surgem novas sentenças e determinações, acordadas entre o Rei, o Concelho e os Letrados. Este foral é datado de Santarém, de 1 de Junho de 1510. Em relação ao foral de 1186, revogaram-se medidas de defesa concernentes ao perigo que, antigamente, representavam os mouros e os castelhanos, que por então infestavam as fronteiras. E, embora este foral não descurasse da autonomia do concelho, dava agora mais importância ao poder central e a fixação de novos tributos. Há uma cláusula que confirma a relevância que tinha, nesta região, a lã e as suas manufacturas. Com efeito, não se pagaria portagem por "pano e fiado que se mande tecer a curar ou a tingir. De todos os panos de seda ou de lã ou de algodão ou de linho se pagará por carga maior nove reis e por carga menor quatro reis e meio...E de linho em cabelo fiado ou por fiar que não seja tecido. E assim de lã e de feltro, burel, mantas da terra e dos outros, semelhantes panos baixos e grossos, por carga maior quatro reis e por menor dois reis..." Noutra parte, se diz: "do escravo ou escrava que se vender se pagará um real e cinco ceitis, mas se vender com filhos de mama não pagarão senão pelas mães, e se trocarem uns escravos por outros sem tomar dinheiro, nada pagarão".
Os Irmãos Faleiro
D. João II, através de conhecimentos secretos, quis garantir-se da posse das terras da América do Sul, onde viria a situar-se o Brasil. Por outro lado, despistava os espanhóis do seu plano Índico, que consistia em alcançar a Índia, contornando a África pela costa do Sofala. A viagem de Vasco da Gama tornou-se possível graças às grandes figura quatrocentistas portuguesas, que foram além de D. João II e o Infante D. Henrique, Diogo Cão, Bartolomeu Dias e Pêro da Covilhã.
A Espanha muito nos deve quanto às suas descobertas marítimas. A contribuição dos conhecimentos científicos portugueses à Espanha foi tão grande que Joaquim Bemsaúde não hesita em dizer que a ciência náutica espanhola se pode considerar a ciência náutica portuguesa ao serviço de Espanha. Português foi Fernão de Magalhães e portugueses foram os seus mais directos colaboradores. Os irmãos Rui Faleiro e Francisco Faleiro, cosmógrafos e homens de ciência, foram covilhanenses. Rui Faleiro tornou-se notável na ciência náutica, dedicando-se ao estudo das longitudes.
Em fins do século XII, ainda era arriscado aos navios afastarem-se muito da terra, sendo de boa prudência os mareantes seguirem sempre com terra à vista. Ao ladearem a costa de África, esta ficava-lhes do lado esquerdo do navio, resultando daí o nome de bombordo, isto é, o lado do navio donde era bom avistar-se a terra. Primeiro com o astrolábio, depois com o sextante, os marinheiros passaram a calcular as latitudes, e a internar-se mais no oceano.
Rui Faleiro, além do cálculo das longitudes, terá sido o primeiro cosmógrafo a estudar o magnetismo terrestre. O matemático Gomes Teixeira proferiu uma conferência na Covilhã, no ano de 1929, quando era presidente do Município o Dr. Almeida Eusébio, garantindo que Rui Faleiro era da Covilhã.
A viagem de circum-navegação, levada a efeito por Fernão de Magalhães, partiu do porto espanhol de S. Lucas de Barrameda, ao serviço de Carlos I de Espanha, em 20 de Setembro de 1519. Dois anos depois, o grande português aporta às Ilhas Marianas, e logo atravessa o estreito a que se daria o seu nome. Ao chegar às Filipinas foi assassinado pelos indígenas, tendo depois continuado a viagem, outro comandante, o espanhol Sebastião del Cano.
A convite de Fernão de Magalhães, os irmãos Faleiro tinham-se instalado em Sevilha pelo ano de 1517. Carlos I, depois Carlos V, autorizou no ano seguinte a viagem, convencido de que tal empresa não ia contra as cláusulas do Tratado de Tordesilhas. Na armada não seguiu Rui Faleiro, o mais certo por se encontrar doente, ou devido ao seu génio irascível, que mais tarde o levaria à loucura. Sabe-se que ao regressar à pátria foi preso, pelo facto de ao tempo as leis portuguesas serem severas para com aqueles que abandonassem o País, levando segredos ou sequer irem colaborar no estrangeiro em expedições marítimas. É bem possível que, por tais leis, alguns pormenores da nossa história marítima permaneçam ainda hoje mal conhecidos. Fosse por que fosse, Rui Faleiro acabou por ser solto a pedido do rei espanhol, voltando de novo para Sevilha. Pouco tempo depois enlouqueceu, tendo ficado a receber, por mercê do rei espanhol, uma tença, e ao cuidado de seu irmão Francisco. Este, em 1525, publicou em Sevilha o "Tratado de la Esfera y de la Arte de Marear", no qual expôs os conhecimentos do seu irmão.
Rui Faleiro terá morrido em 1544, deixando o seu nome ligado à ciência náutica, que permitiu as viagens de longo curso.
João Ramalho
Foi um aventureiro beirão, o mais certo covilhanense, que naufragou nas plagas de Vera Cruz, segundo uns, antes de lá ter chegado Pedro Álvares Cabral, segundo outros pelo ano de 1508.
Depois da viagem de Pedro Álvares Cabral, novas armadas e naus, navegam junto à costa do novo continente, fazendo o reconhecimento de novas enseadas. Por vezes fundeavam, e procuravam internar-se naquelas terras exuberantes de vegetação e despertadoras de sonhos e aventuras. Sucedia, que por vezes, algumas naus abandonavam naquelas ignotas terras, degredados, que por ali ficavam entregues à sua sorte. Os náufragos procuravam sobreviver em terras inóspitas e florestas impenetráveis e desconhecidas, povoadas de serpentes de onças e inimigos invisíveis. Acontecia depararem-se com nativos que, se algumas vezes os acolhiam impávidos e serenos, outros os hostilizavam e dizimavam. Colombo viria a declarar que os selvagens, que ele descobrira eram mais felizes do que os homens civilizados...
Um tal Diogo Álvares, minhoto, foi para ao Norte do Brasil, no lugar onde mais tarde o governador Tomé de Sousa viria a fundar a cidade da Baía. Outro degredado da armada de Gonçalo Coelho, fixou-se ao Sul, na ilha depois chamada Cananeia, que povoou. E outro grupo de portugueses, pelo ano de 1508 naufragou no local que viria a ser capitania de S. Vicente, e que depois se tornou metrópole de garimpeiros, aventureiros perdidos na miragem do ouro e dos diamantes.
Como quer que fosse, João Ramalho foi um desses aventureiros que se internou no mato, ganhando a costa do Cubatão, onde se encontrou com os índios, tendo com eles artes de bem se relacionar. Aprendeu a falar a língua dos nativos, o tupi-guarani, e ganhou a confiança de um chefe índio, que lhe deu uma filha em casamento.
Mas João Ramalho havia de fazer larga prole de mestiços, e com eles fundou a aldeia de Santo André da Porta do Campo. Passaram anos, e um belo dia de 1535, fundeava na Baía, depois chamada de Todos os Santos, a armada de Martim Afonso de Sousa. Do cerrado da mata, começaram a surgir índios armados, dispostos a enfrentar os mareantes desembarcados nas areias da formosa baía. Já se iam preparando as bombardas nas naus, quando foi visto um homem branco, enorme, de longas barbas, que tentava apaziguar os índios, e levantava para os portugueses os braços em sinal de paz. Era João Ramalho.
Um pintor chamado Pedro Américo retratou para a História, esse momento memorável do encontro entre um capitão-mor, enviado por El Rei às terras de Vera Cruz, e João Ramalho e seus companheiros índios.
Martim Afonso de Sousa deu foral à vila de S. Vicente, e nomeou, em nome de El Rei D. João II, João Ramalho capitão-mor das terras altas de Piratininga. Sabe-se que João Ramalho colaborou com Martim Afonso de Sousa nos primeiros aldeamentos do Brasil.
Nas clareiras das florestas, começaram-se a construir casas com tecto de colmo, e à sua volta currais e os primeiros engenhos de açúcar. Navios carregados de cereais e de gado chegavam da metrópole e doutras terras. Cerca de vinte anos mais tarde, por volta de 1553, fundeava ali a armada de Duarte Gois, que trazia o padre jesuíta José Anchieta, deliberado a fundar ali uma igreja e um colégio da Ordem. Não se sabe porquê, João Ramalho resistiu a princípio à penetração dos jesuítas no seu território. Alguma coisa se terá passado, antes de ele se tornar guia e intérprete do Padre Anchieta e também do padre Manuel da Nóbrega até ao outeiro, onde, junto ao rio Tiéte, lançaram as primeiras pedras de uma povoação, que viria a ser, mais tarde, a cidade de S. Paulo. Já antes em 1549, chegara a armada de Tomé de Sousa, que fundou a cidade da Baía, capital histórica das novas terras. Numa carta ao rei, conta Tomé de Sousa que João Ramalho, sendo já um homem entregado em anos, calcorreava a pé, pelo mato, todos os dias, nove léguas.
Em 1590, São Paulo era já a metrópole do café, e construíram-se os bairros de Ipiranga e Vila Preta. Hordas de aventureiros, misto de militares e homens de negócio, os chamados bandeirantes, percorriam o Brasil no deslumbre das suas riquezas. João Ramalho deixa vestígios da sua presença na área de São Paulo, nos princípios do século XVI. No Arquivo Municipal daquela cidade, existem cadernos alusivos ao aventureiro covilhanense, com uma assinatura convencional presumivelmente sua, pois era analfabeto.
Para sair da sombra da História, seria necessário buscar novas achegas sobre a vida deste covilhanense, capitão-do-mato e um dos fundadores da cidade de São Paulo.
Mateus Fernandes
O Mosteiro de Santa Maria da Vitória foi mandado edificar por D. João I, em acção de graças pela vitória de Aljubarrota. A sua construção começou no mesmo ano da batalha, em 1385, e por disposição testamentária, D. Manuel I mandou que se acabassem as capelas deste maravilhoso monumento nacional. O arquitecto Ouguet concluiu a Capela do Fundador, construiu a sacristia e o refeitório e parte do Claustro Real. Martim Vasques e Fernão de Évora continuaram a obra de Ouguet, tendo o último levado a termo o segundo claustro. Depois de 1467, sucederam-se nas obras do mosteiro os arquitectos Guilherme e António de Castilho, bem como Francisco Arruda, que trabalham nas Capelas Imperfeitas, assim chamadas por se não terem dado por concluídas. O arquitecto Afonso Domingos, mais famoso pela lenda que à sua volta teceu Alexandre Herculano, terá concluído, já cego, a Casa do Capítulo.
Pela tradição se diz que Afonso Domingues, "arquitecto da Batalha" era covilhanense, por certo por confusão com Mateus Fernandes, já que Bernardo de Brito, na sua Monarquia Lusitana, o dá como natural de Lisboa, baptizado na freguesia da Madalena.
Em 1490, Mateus Fernandes é já Mestre da Batalha. Assim se lhe refere D. João II numa carta em que lhe faz uma doação.
No livro intitulado "Retratos de Varões Que Ilustraram a Nação Portuguesa", da autoria de António José de Figueiredo, vem desenhado o retrato de Mateus Fernandes, com a legenda de ser da Covilhã, e "o mais insigne arquitecto, cujo nome conserva a história do Reino, a quem podemos chamar o primeiro arquitecto da Europa e do seu século. Segundo o mesmo autor, D. João II facultara ao ilustre arquitecto viajar pela Europa, a fim de tomar contacto com a arte das catedrais europeias. Ainda o mesmo autor terá visto confirmada a naturalidade de Mateus Fernandes em uma crónica carmelita, facto que não é contestado pelo Cardeal D. Francisco de São Luís, que, apontou erros no citado livro.
Ignora-se a data do nascimento de Mateus Fernandes, sabendo-se, todavia, que morreu em 1515, tal como se pode ler numa pedra tumular, à entrada axial do templo.
Mateus Fernandes terá sido o introdutor do estilo manuelino, ou estilo gótico português, caracterizado pela introdução de temas marítimos, vegetalistas e exóticos, inspirado na gesta dos Descobrimentos.
O ilustre covilhanense trabalhou no átrio, no pórtico principal, nas abóbadas das Capelas Imperfeitas e talvez na conclusão da Casa do Capítulo. Enquanto era substituído nas obras do Mosteiro por seu filho, do mesmo nome, Mateus Fernandes trabalhou na reconstrução dos Castelos de Almeida e de Castelo Branco. Pode estranhar-se porque não terá trabalhado nas torres e muralhas da Covilhã, sua terra natal. O que se sabe é que ele foi igualmente arquitecto da Igreja da Misericórdia das Caldas da Rainha, onde se vislumbram traços do seu estilo peculiar manuelino.
No último ano da sua vida, terá ainda gizado o plano da Igreja Matriz da Batalha, que só seria concluída em 1532, isto é dezassete anos após a sua morte.
Cabe, pois, à Covilhã, a glória de ter sido berço de um dos mais insignes arquitectos do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, a mais requintada obra do manuelino português, estilo de que foi introdutor, e que é o mais representativo, senão único, da individualidade da arte portuguesa.
O Morais do Convento (1806 / 1872)
Manuel de Morais da Silva Ramos, mais conhecido por Morais do Convento ou Morais da Covilhã, foi um grande escultor aqui nascido em 6 de Janeiro de 1806.
À volta da sua figura de artista e de aventureiro tecem-se lendas sem nexo. Tendo frequentado a Casa Pia de Lisboa, cedo revelou a sua vocação para o desenho e para a escultura. Aos dezoito anos, entra para a Brigada Real da Marinha, e nos anos conturbados de 1832/34 já se encontra no Porto, onde combate no cerco dos Liberais. A sua arte de modelar, esculpir e desenhar não passou despercebida ao fundador da Fábrica de Louças da Vista Alegre, onde trabalhou, mas foi na Cidade Invicta que logo se distinguiu como medalhista e escultor. A medalha comemorativa da visita de D. Luís ao Porto, no ano de 1852, a da Real Sociedade Humanitária e a que foi dedicada à memória de Carlos Alberto de Itália em 1854, são peças artísticas de valor meseológico, cujo paradeiro, como outras obras deste mestre, se desconhece. Em 1864 trabalhou no monumento a D. Pedro V.
Escultor exímio, era capaz de reproduzir à perfeição libras em ouro, que se não extremavam das autênticas, e isso levou-o ao excesso de abrir cunhos de moedas, sendo preso, arguido de moedeiro falso, nas cadeias da Relação do Porto.
Esculpia belas imagens de santos, em madeira de buxo, para as igrejas, e trabalhava em prata magníficas salvas e candelabros.
Pintava igualmente quadros a óleo. A sua obra prima é uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, executada em buxo, tendo no seu pedestal, em finíssimos lavores, o cenário do Natal. Quem alguma vez teve o privilégio de admirar essa obra, dá conta do seu fascínio. Tal peça de arte, que há muito deveria pertencer ao património da Covilhã, dizem encontrar-se já estropeada e ainda em poder da família do artista.
Na antiga Igreja de São Tiago, existia uma imagem do Senhor da Agonia, obra de Morais do Convento. Imagens pertenças do antigo Convento de Santo António, usurpado em 1834 pelas Leis de Mousinho da Silveira, foram distribuídas por igrejas da cidade. Dessas imagens, uma foi a do Senhor dos Aflitos, que terá ido primeiro para a Capela do Senhor da Ribeira, e depois da demolição desta, para a Igreja de São João. Outra, a da Senhora da Boa Morte, terá ido para a Igreja de Santa Maria Maior. Como quer que fosse, Morais do Convento procurou reaver, de forma rocambolesca, algumas imagens do Convento, o que acarretou novas pendências com as autoridades. Não obstante, reza a tradição que era esmoler, capaz de dar tudo de seu aos pobres.
Do Porto regressou à terra natal, muito combalido de saúde e de ânimo. Tinha, contudo, dinheiro suficiente para comprar as casas do antigo Convento de Santo António e nesse lugar aprazível, donde se desfruta uma ridente paisagem sobre a casaria da cidade e sobre a várzea do Zêzere, viveu o artista os seu últimos anos, apagados e silenciosos. Transformou as celas do Convento em salas, quartos e oficina de trabalho. Quando Eduardo Coelho, director do "Diário de Notícias" visitou a Covilhã, talvez no último ano da vida do escultor, 1872, foi vê-lo, levado pela curiosidade e fama da sua vida quase lendária. Diz-nos no seu livro "Passeios na Província", que encontrou um velho acabado e triste, cego e paralítico. Era o que restava de um homem que teria sido grande na arte deste país, se outros têm sido os seus fados.
A sua obra está praticamente ignorada. No Museu desta cidade, ainda hoje em preparação, irá figurar unicamente a imagem do "Coração de Maria", e na Câmara Municipal, pode admirar-se hoje o quadro da "Ressurreição". Seria obra meritória que se adquirisse para o Museu da Covilhã, esculturas e medalhas de Morais do Convento.
Morreu em 26 de Setembro de 1872 e tem o seu busto, de sua própria autoria, no cemitério desta cidade.
Frei Pedro da Covilhã
Foi um dos padres confessores de Vasco da Gama, na viagem do descobrimento do caminho marítimo para a Índia.
Na Índia fez evangelização, até ser capturado por índios selvagens, que o crivaram de flechas. Conta-se que, na sua atroz agonia, teve a visão da vinda de São Francisco Xavier a chegar àquele lugar de martírio.
Pêro da Covilhã
A honra senhorial de D. Afonso V, que foi o nosso último rei cavaleiro medieval, levou-o a bater-se com Fernando de Aragão, na Batalha de Toro, de resultado duvidoso, mas que teria redundado num desastre, se não fora o heroísmo dos seus vassalos e a bravura do jovem príncipe D. João I, que viria a ser o Príncipe Perfeito.
Nessa batalha combatera, como escudeiro do Rei, um jovem chamado Pêro que era da Covilhã. Já havia sido seu moço de esporas, quando regressara de Sevilha, onde estivera ao serviço de D. Afonso de Guzena, Duque de Medina Sidónio. Aí se envolvera e tomara o gosto de lutas e emboscadas. Inteirando-se da sua valentia e também da sua lealdade, D. Afonso V levou-o consigo para uma viagem a terras de França, onde esperava valer-se da influência e poder do Rei Luís XI. Não teve sorte D. Afonso V, pelo facto de o rei francês estar já de boas avenças com o rei Fernando de Aragão. As viagens naquele tempo eram longas e difíceis, e durante muito tempo não houve em Portugal novas de D. Afonso V, nem da sua comitiva, a tal ponto que seu filho o Infante D. João se proclamou rei. E, de facto não havia tempo a perder. O País encontrava-se enfraquecido com as praças conquistadas no Mangrebe e o jovem príncipe tinha já em mente o seu plano atlântico dos descobrimentos. E certo dia, ao saber que seu pai regressara ao Reino, dirigiu-se ao seu encontro para lhe restituir a coroa real, que D. Afonso V retomou até à sua morte em 1481. Por certo terá regressado com o rei o jovem Pêro da Covilhã, agora mais experimentado ainda em andanças e intrigas políticas.
Viram gentes incógnitas e estranhas
Da Índia, da Carmânia e Gedrosia,
Vendo vários costumes, várias manhas,
Que cada região produz e cria,
Mas de vias tão ásperas, tamanhas
Tornar-se facilmente não podia.
Lá morreram, enfim, e lá ficaram,
Que à desejada Pátria não tornaram.
Camões
in Canto IV dos "Os Lusíadas"
Com a tomada de Constantinopla, os turcos ocupavam quase todo o território que pertencera ao antigo Império Cristão do Oriente. Na última fase da sua vida, o Infante D. Henrique, ciente do perigo que representava para a Europa o avanço dos turcos, pretendeu entrar em contacto com o poderoso e longínquo rei cristão, a que chamavam Prestes João das Índias. O cronista João de Barros diria mais tarde na sua "Década I" que um tal João Afonso de Aveiro, ao regressar de Benin, fizera memória que a oriente desse reino, "por vinte e duas luas de andadura" existia um rei, que era o mais poderoso daquelas partes, e que ali tinham como santo. Em 1427, já o Infante D. Henrique enviava a Valência um arauto, por sinal chamado Covilhã, para colher quaisquer informes na corte Leonesa sobre o dito rei. Religiosos e mercadores davam conta da existência desse monarca, que já em 1435 enviara dois religiosos em peregrinação a Santiago de Compostela. Do contacto com esses emissários ou peregrinos terá nascido o plano Índico do Infante D. Henrique, que visava além de alcançar a Índia, contornando a costa de África, entrar em negociações com o Prestes João, para com ele fazer uma aliança contra os turcos. A chamada fase henriquina dos Descobrimentos terminou com a morte do Infante em 1460, tendo por essa altura o navegador Pedro de Sintra atingido a Serra Leoa. O Príncipe D. João iria continuar a obra já encetada por seu tio avô, o Infante D. Henrique, embora só em 1474, sete anos antes da morte de seu pai, pusesse em marcha o seu próprio plano atlântico. Era este Príncipe bem diferente em génio de seu pai. Embora armado cavaleiro quando da tomada de Arzila aos Mouros, não era dado a gestas cavaleirescas medievais, nem achava por bem continuar a fazer guerra aos infiéis no Norte de África. Pelo contrário procurou fazer a paz com eles e com eles negociar pactos comerciais. Toda a sua atenção estava voltada para o Atlântico. Soube rodear-se de grandes navegadores e homens experientes e audazes, como Diogo Cão, que descobriu a foz do Zaire, Bartolomeu Dias que havia de dobrar o Cabo das Tormentas, e Pêro da Covilhã seu escudeiro e agente secreto.
Ainda antes do ano de 1487, Pêro da Covilhã fez duas viagens de exploração à Berberia, e ainda nesse mesmo ano D. João II o enviou, juntamente com Afonso de Paiva, para uma viagem com missões bem determinadas à Índia e à Etiópia. Incumbiu Pêro da Covilhã de saber dos portos de navegação daqueles mares da Índia, bem como do tráfego de especiarias, enquanto Afonso de Paiva seria portador de uma carta para o Prestes João, na qual propunha uma aliança para defender a fé católica e encetar tratos comerciais entre os dois reinos. E na primeira quinzena de Agosto daquele mesmo ano, D. João II fazia seguir Bartolomeu Dias em suas caravelas, com os melhores pilotos daquele tempo, na viagem memorável em que se ultrapassou o Cabo das Tormentas, logo chamado Cabo da Boa Esperança.
Já em 1484, Cristóvão Colombo chegara a Lisboa para convencer o Rei português a por à sua disposição navios com que ele pudesse navegar para o Ocidente, julgando por aí atingir a Índia.
Mas por essa altura, D. João II tinha já conhecimento da existência de terras a Ocidente e que talvez por aí, de facto, se atingisse a Índia. Não acedeu às pretensões de Colombo e não se surpreendeu quando este, em 1489, ao serviço dos espanhóis, descobriu o continente americano que tomou por Índias. O Mundo já fora dividido pelo Tratado de Tordesilhas, e estava salvaguardada para Portugal a parte da América do Sul correspondente ao Brasil.
Disfarçados de mercadores, chegaram Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva à Península do Sinai e ao Mar Vermelho. Afonso de Paiva, que era natural de Castelo Branco, não chegou a cumprir a sua missão por ter morrido de febres no Cairo. E durante um ano, o aventureiro covilhanense viajou por terras da Índia, tendo estado em Cananor, Ormuz, Goa e Calicut, terra esta que pisou dez anos antes de Vasco da Gama. Nos fins de 1489, segundo o seu biógrafo Conde Ficalho, terá estado na encosta do Sofala, dirigindo-se depois para o Cairo, onde teve conhecimento da morte do seu parceiro Afonso de Paiva. Quando se preparava para regressar à Pátria, vieram ao seu encontro dois emissários de D. João II, José de Lamego e o Rabi Abraão de Beja, que traziam ordem do Rei para que ele voltasse a Ormuz com o Rabi, enquanto José Lamego regressava a Portugal com as preciosas informações colhidas por Pêro da Covilhã sobre a Índia e os portos, que os navios portugueses poderiam demandar.
Depois da diagem de Bartolomeu Dias e dessas informações de Pêro da Covilhã, sabia o rei português pelo certo que podia alcançar a Índia, dobrando o Cabo da Boa Esperança e, navegando pela cosa do Sofala, poderia conseguir desviar mais tarde o comércio das especiarias do Mediterrâneo para o Atlântico, de Génova e de Veneza para Lisboa. Vasco da Gama iria assim encetar a grande empresa do Mar Oceano.
Depois de se separar do Rabi Braão de Beja, que regressou à Pátria, Pêro da Covilhã partiu para a Etiópia, para cumprir a parte da missão que fora incumbida ao malogrado Afonso de Paiva. Terá alcançado as terras de Prestas João pelos anos de 1492/94. Os pormenores dessa aventura, de que jamais regressaria, foram narrados pelo próprio Pêro da Covilhã ao Padre Francisco Alvares, quando este, mandado por D. Manuel I, acompanhou a embaixada de D. Rodrigo de Lima à Etiópia.
Essa embaixada tornou-se numa viagem de exploração pelo interior desse país, onde foram encontrar Pêro da Covilhã, integrado na vida local, casado com uma nativa e com filhos. Gozava de prestígio na corte abexim, tendo servido de intérprete, entre o embaixador português e o Négus, para a celebração de um acordo de cooperação entre os dois reinos. Segundo tal acordo, as caravelas portuguesas podiam servir-se das enseadas etíopes, como bases de protecção das novas rotas de comércio marítimo, obrigando-se por sua vez o rei português e defender, com as suas armadas, aquele reino africano. Essa cooperação com a Etiópia havia de manter-se até 1634, data em que se deu a expulsão dos Jesuítas daquele território.
No regresso da referida embaixada, D. Rodrigo de Lima não conseguiu trazer consigo para a Pátria, Pêro da Covilhã. Nas suas próprias palavras, sentia-se "muito velho e mui feliz e contente nas muitas terras que tinha". Pediu, então, a D. Rodrigo de Lima que lhe trouxesse um filho para Portugal, para aí ser educado e que D. Manuel, como galardão dos seus serviços. lhe proporcionasse situação condigna. Mandou ainda 28 onças de ouro para a família, que deixara na Covilhã. O rapaz morreu de febres durante a viagem, e não se sabe se as onças de ouro chegaram à sua longínqua terra natal.
Assim como Pêro da Covilhã, muitos portugueses casaram com mulheres etíopes, e durante quase um século e meio, que transcorreu entre a chegada de Pêro da Covilhã e a expulsão dos Jesuítas, muito sangue luso correu nas veias de muitos príncipes e princesas etíopes, bem assim nos campos de batalha contra os turcos e os árabes. Com efeito, lá morreu Cristóvão da Gama, filho de Vasco da Gama, numa expedição contra os turcos.
Em 1555, chegaram à Etiópia os primeiros missionários Jesuítas, onde desenvolveram obra notável de evangelização e de fomento. Os etíopes tinham uma civilização milenária, um reino de ortodoxia cristã, que provinha dos séculos II e III da nossa era. Mas um povo de raízes culturais tão profundas e diversificadas não podia ser facilmente evangelizado. Assim, foi nascendo uma reacção contra os portugueses, especialmente contra os Jesuítas, portadores de uma civilização muito diferente. Por lá restam ruínas de castelos, pontes e palácios construídos pelos portugueses, nesse país, raro em África, que nunca foi colonizado.
Pêro da Covilhã, covilhanense das arábias, não regressaria pois `´A sua pátria. De resto, já não reinava, então, seu rei e senhor, El Rei D. João II, que morrera em Alvor, solitário, afastado dos negócios do reino, minado pela dor de ter visto morrer, na flor da idade, num desastre de montaria, seu filho legítimo D. Afonso.
Alberto Roseta (1915/1990)
Foi industrial e artista plástico covilhanense, sendo autor de numerosos desenhos de recantos típicos da sua terra natal.
Foi discípulo, na Escola Industrial Campos Melo, do Professor António Lopes. Covilhanense de afeição, salientou-se como autor de belos quadros a óleo, e de painéis nas Igrejas de Santa Maria Maior e da Misericórdia. Entusiasta do desporto do esqui, logrou algumas vezes ser campeão nacional desta modalidade.
Raul Costa Camelo
Também nas artes plásticas, ocupa actualmente lugar de relevo o covilhanense Raul Costa Camelo, radicado em Paris desde 1950, e cuja pintura tem um cunho expressionista. Alguns dos seus quadros figuraram na exposição que teve lugar quando das comemorações do dia 10 de Junho do ano de 1988, centralizadas na Covilhã.
Manuel do Carmo Peixeiro
Manuel do Carmo Peixeiro nasceu na Covilhã, no ano de 1893. Principiou os seus estudos de debuxo na Escola Industrial de Campos Melo, especializando-se na manufactura de tapetes e criando o chamado ponto de pedra. Como se estabeleceu com uma fábrica de tapetes de Portalegre, o dito ponto de pedra tornou-se depois conhecido por ponto de Portalegre. Igual fábrica de tapeçaria artística fundou no Porto. Pintores de renome, como Almada Negreiros e Júlio Pomar, executaram cartões para os seus tapetes. Assim a indústria de tapetes de Portalegre atingiu renome universal. Esse artista da indústria têxtil, que faleceu em 1964, sobressaiu entre tantos outros artistas anónimos, que, recebendo a arte de seus pais, mantêm viva uma tradição de muitos séculos.
João de Figueiredo (1898/1960)
Foi um poeta de índole popular, perdido da labuta dos lanifícios. Autor de bonitas redondilhas, quadras e epigramas, os seus versos alegraram as festas da cidade, e os cantares das janeiras. Além da sua colaboração no semanário "Notícias da Covilhã", onde colaborou sob os pseudónimos de "José Faísca" e "João Ninguém", deixou uns livrinhos de versos, intitulados "Natal" e "Os Pobres".
Augusto de Figueiredo (1910/1981)
Irmão do referido poeta, cedo revelou a sua vocação para o teatro, vindo a frequentar com distinção o Conservatório Nacional de Lisboa. Em 1937, estreava-se no Teatro da Trindade na opereta "O Conde de Luxemburgo". Ingressando depois no Teatro D. Maria II, ali actuou, durante dezasseis épocas, na Companhia Rey Colaço - Robles Monteiro. Entrou posteriormente no elenco de várias companhias, entte elas, a de Mirita Casimiro, em Cascais, onde obteve sucesso na "Maluquinhas de Arroios". Também a sua actuação no Teatro da Estufa Fria, como, director, foi notável, atingindo o cume da sua arte na peça " A Dança da Morte". Ficou na história do teatro português, comi genial intérprete de Gil Vicente.